Obs.: post inicialmente publicado
no facebook, que trata da onda de saques e arrastões que tomou conta da cidade
do Recife, no dia 15 de maio de 2014, depois que a PM entrou de greve.
Sobre esse blá blá blá dos
“consumidores excluídos”. A esquerda nasce de um vício: considerar o indivíduo
uma espécie de massa amorfa que é determinada ou moldada pelo mundo em que
vive. Nossa essência seria plástica (o que já é uma contradição em si). Então,
para qualquer fato que ocorra, lá está o esquerdista procurando razões no mundo
existente que LEVARAM a ação dos indivíduos: a culpa é das estruturas,
geralmente. Argumentam como se nunca houvesse responsabilização individual.
Mas é o seguinte: tão velha
quanto à propriedade é o roubo da propriedade alheia. Não tem nada a ver com
“exclusão do consumo”, ainda mais num sistema que para funcionar precisou
ampliar o mercado consumidor e torná-lo global. Acontece que, a propriedade
privada é uma espécie de identidade material. Ora, se algo é seu,
necessariamente não é de outro. Isso cria uma delimitação entre você e outra
pessoa. Mas, nada impede que alguém ultrapasse essa linha e use da violência
para tomar suas posses. E isto é certamente mais velho do que um sistema
econômico. Os Visigodos não pilharam Roma por que uma estrutura social malévola
e injusta (vocês não podem colocar a culpa no capitalismo cof cof cof) determinou
tal decisão, moldou suas ações, seu caráter, etc.
Deixe-me explicar uma coisa
procês sobre algo que o Século XX nos ensinou. Vocês poderiam então me dizer:
não é justo que as pessoas tenham coisas diferentes uma das outras, cada um
deveria usufruir por igual – se for seu desejo – de cada coisa. Ok. Acontece
que, para isto ocorrer, seria necessário um órgão que controle a produção das
riquezas e sua distribuição, com um MONSTRUOSO aparato de controle social.
Donde se obtém: a) o órgão de controle não pode ser um autômato, mas sim um
ente composto por PESSOAS, donde – de partida – já impossibilita a execução da
igualdade substantiva; b) ao receber tudo por igual, em situação hipotética,
por que os homens iriam produzir, ter sua marca pessoal, personalidade,
individualidade, desenvolver sua potencialidade, ao ser diluído numa massa
controlada por burocratas gestores? Não adianta reclamar das desigualdades do
mundo, pois o seu fim não passa de tese abstrata, que nunca funcionou, nem nunca
funcionará, pois é uma impossibilidade lógica EVIDENTE. Ninguém pode negar que
o mundo formal das instituições, do estado de direito (com todas as suas perdas,
que são muitas), nos garante alguma estabilidade.
A POBREZA de posses sempre foi a
REGRA geral do mundo. Nascemos miseráveis, sem nada, dependentes de nossos
progenitores. O capitalismo e o mundo moderno ampliou a fronteira do consumo, e
consequentemente, da propriedade. Ao ampliar mercados e ter seu
sociometabolismo centrado na produção de mercadorias (materiais ou não), ele
apenas colocou um dado do mundo em evidência. Quem sente piedade pela falta de
propriedade de certos bens (não essenciais) por parte da população, de cara, já
demonstra ser uma personalidade fútil, mesquinha, que enxerga o mundo pelo
ângulo da sua régua consumista.
Dor, choro, tristeza, injustiça,
infortúnio, infelicidade, solidão, medo, perda, são elementos que circulam em
nossa existência, por sermos incompletos, estarmos entre o ser e o não-ser; mas
que na cabeça de um esquerdista, viram produtos de uma astuta e maliciosa
estrutura, uma espécie de entidade divina secularizada (a ontologia do ser
social iniciada por Marx não passa disso) que só nos sacaneia, impede nossa
entrada no paraíso, e nos leva a cometer as mais terríveis atitudes. Neste
mundo cru, sem vida ou vento, não há responsabilidade individual, não há drama
existencial, nem perplexidade moral. O esquerdismo de hoje não passa de uma
revolta niilista e insana contra a estrutura da realidade. Da ontologia do ser
social, passando pelo subjetivismo do culturalismo, chegamos à era do “significante
vazio”. Por sintoma, a esquerda que reclama da “exclusão do consumo” é a mesma
que se agita contra o “consumismo”. Ao querer o paraíso sobre a terra, a
esquerda radical só nos tem dado o inferno.
Se existe algo que o 15 de maio
nos mostrou foi a desagregação social, a anomia. Quando teve a oportunidade na
cessão da repressão, um grupo pequeno, mas suficiente para instalar o caos
social, transgrediram as normas que regem a conduta dos homens e asseguram a
ordem. Há um vazio no peito dos seres humanos. As intensas transformações nas
maneiras de ser, estar, e sentir o mundo, provocadas pelos processos de
modernizações, trouxeram bruscas quebras nos valores em comum que sustentam uma
sociedade, levando a perda da identidade. Estamos à deriva. O que nos liga?
Numa sociedade tão fragmentada, sem comunhão e senso moral, só a repressão pode
impedir que alguém atue sistematicamente trapaceando e prejudicando o próximo?
É esta fragilidade que destrói os
sonhos do mundo esclarecido dos iluministas. É esta fragilidade que destrói os
sonhos do mundo formal e institucional dos liberais. É esta fragilidade que
destrói os sonhos das utopias sociais. É esta fragilidade que destrói os sonhos
últimos da esquerda em subverter a estrutura da realidade. É esta fragilidade,
instalada no coração da modernidade, que destrói os sonhos de todos os seus
filhos, instalados numa linha contínua, chamada progresso.
O fracasso é humano,
demasiadamente humano.
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