Tradução de Anderson Calé
Texto de 1998. Original: http://www.independent.co.uk/voices/where-marx-was-right-and-thatcher-wrong-1172150.html
O governo Trabalhista
começou com a promessa de acabar com o
"boom-bust" econômico. Agora, está enfrentando a expectativa
de uma séria recessão. Então, onde Partido Trabalhista se situa a respeito do
capitalismo? Polegares para cima, polegares para baixo? Quando Margaret
Thatcher estava em serviço, os polegares certamente estavam para baixo.
Indagado a respeito da causa de qualquer mal social - crime, drogas, o colapso
das cidades do interior - políticos Trabalhistas poderiam apontar para a
"cultura da ganância" com a qual tachavam Thatcher. Eles associaram
essa cultura com os grandes negócios, com a Cidade, com a livre empresa, a
livre troca e o livre mercado. É surpreendente, eles nos perguntavam, que a
sociedade britânica esteja desmoronando, que a lealdade, a decência, a
compaixão e a vida do espírito esteja desaparecendo, quando o governo mede tudo
em termos monetários? É surpreendente
que nosso país aparente ser mais e mais uma nação sem alma, quando seus
líderes são aconselhados por empresários, concedem honras aos empresários, e
estejam ansiosos para se tornarem empresários quando finalmente descartados -
ou regurgitados?
É fácil simpatizar com essas acusações; menos fácil é
descrever a alternativa. A União Soviética curou a maior parte da ilusão
socialista das pessoas. O grande
experimento socialista foi um desastre, econômica e socialmente. Crime e vandalismo
podem ter sido menos aparente na antiga União Soviética, mas só porque eram
monopolizados pelo Partido. Desde então, como tudo o mais, eles foram
privatizados - em geral para cada pessoa que tinha o controle sobre eles no
passado. Agora nós vemos a realidade moral que décadas de terror suprimiram:
uma sociedade em que o cálculo frio prevalece por sobre toda a forma de dever social; e nós também
pudemos ver - nas últimas semanas da crise econômica - as consequências da
privatização quando o senso de dever social é destruído.
Assim, o fracasso do socialismo não deixou o
capitalismo de fora. Há algo de errado com uma sociedade que é governada
inteiramente pelo imperativo dos negócios, que não reconhece qualquer restrição
à troca além do mercado, e que torna o negócio e o empresa seu principal valor.
Quando Marx e Engels compuseram o Manifesto Comunista eles não condenaram o
capitalismo por seu poder econômico. Condenaram-no pelo seu custo humano.
"Ele não deixa outro nexo entre o homem e o homem", eles escreveram,
"que não seja o 'pagamento à vista', e isso afogou a maior parte do
celeste fervor religioso... nas águas gélidas do cálculo egoísta. Fez da
dignidade pessoal um simples valor de troca, e em lugar de inúmeros e
indefensáveis liberdades privilegiadas, estabeleceu essa única, inescrupulosa
liberdade - Livre Comércio." Exagerado, com certeza. Mas não destituído de
verdade. Mesmo se recusarmos a alternativa de Marx como ingênua em sua
finalidade e perversa em seu meio, nós não podemos recusar a perspicácia moral
da qual ela deriva - nomeadamente, que o livre mercado deixado por si mesmo é
tanto uma força criativa como destrutiva.
Isso, em resumo, é o que o Partido Trabalhista e seus
gurus repetiram nos anos de Thatcher e, mais em surdina, durante o interregno
cinzento de John Major. Mas isso não é o que eles estão falando agora. Sob Tony
Blair, o empreendedorismo ainda está na condução. O Primeiro Ministro nomeia
magnatas dos negócios para a Casa dos Lordes com o mesmo entusiamos desmedido de Margaret Thatcher:
ele até fez do Lord Sainsbury um sub-ministro no Departamento de Comércio e
Indústria - exatamente o departamento em que, se trabalhismo nada significa,
deveria ser controlados por pessoas como Lord Sainsbury. Olhe para a política
Trabalhista em qualquer das áreas em que os gigantes capitalistas tem um
interesse - Europa, EMU, alianças e monopólios, meio ambiente e agronegócio - e
você verá promessas eleitorais e convicções morais se desfazendo antes dos
imperativos comerciais. O argumento que foi aceito, como fora aceito sob
Thatcher, de que a prosperidade significa crescimento, que crescimento
significa globalização, e que globalização significa abolição das restrições
locais. Proíba-nos de nos tornarmos grandes na Grã-Bretanha, dizem os magnatas,
e nós iremos para outro lugar, levando nosso capital, nossos impostos, nossos
empregos e nossa propriedade conosco.
Em qualquer governo de emergência rapidamente se
percebe a estupidez da globalização. Encontrando a nós mesmo em guerra com a
Alemanha, entendemos - tarde demais - os méritos da manufatura local e da agricultura auto-suficiente. Porém,
políticas modernas são conduzidas inteiramente como se emergências fossem uma
coisa do passado. O processo político não é apenas um dos "spin-doctoring";
ele é um exercício de amnésia coletiva. Ainda assim, a crise asiática deve ter
acordado o Partido Trabalhista para o perigo: por causa da internacionalização
de nossa economia, amarramo-nos a catástrofes que não podemos evitar.
Mas há um motivo mais importante para voltar à velha
crítica socialista. Lealdade, dever, honestidade: são essas as coisas que não
podem ser compradas. Em um mercado não reprimido, portanto, elas são expulsas
por coisas que podem ser compradas. Suborno, corrupção e baixeza tomam o lugar
da responsabilidade. O mercado depende da honestidade, mas deixado por si
mesmo, destrói a honestidade. Esse é o por que de o mercado obter sucesso
apenas quando não deixado por si mesmo - apenas
quando sujeito a restrições morais e religiosas que preservem a reserva
de virtude humana.
Não é apenas a vida pública que está aberta a
corrupção pelo mercado; a vida privada também está em risco. Isso costumava não
precisar ser dito: não só o Trabalhismo Antigo, mas o partido Tory, também,
costumavam desacreditar a comercialização das coisas sagradas. Indecência,
obscenidade e blasfêmia eram imediatamente reconhecidas, e imediatamente
condenadas. Era comum reconhecer que coisas com um algum valor não deveriam ser
degradadas a algo com um preço. Sexo, por exemplo, não poderia ser exibido como
um objeto de troca entre estranhos. Nosso censor-chefe aposentado, James
Ferman, agora argumenta que, se permitida algumas formas de ponografia, você
pode se armar mais efetivamente contra outras, especificamente essas que
envolvem violência ou crianças. Tal é a inocência da mente liberal, que imagina
que você pode permitir a livre transação de bens e assim manter as pessoas fora
do mercado. Todo mercado, uma vez permitido, trará novos compradores e
vendedores. Pedofilia não pode ser combatido pela permissão de pornografia, já
que o pornô cria o estado de espírito que não vê nada de errado com a
pedofilia.
O Sr. Blair descreve-se como um Socialista Cristão:
ele não é tal coisa. Como a baronesa Thatcher, ele é um liberal no século XIX.
Ele pode nunca ter dito "você não pode restringir o mercado", mas ele
age como se isso fosse verdade. Se ele pusesse seus princípios religiosos na
prática política, ele poderia ser um Cristão capitalista. Já que o capitalismo
é apenas outro nome para o mercado, e o mercado está aqui para ficar.
Naturalmente, nós podemos dizer do mercado aquilo que Churchill disse da democracia: um sistema muito ruim,
mas as alternativas são piores. Assim como a democracia precisa de leis e
instituições para proteger as coisas que não estão para serem votadas, do mesmo
modo o mercado precisa de escrúpulos morais e religiosos para conter as coisas
que estão aí para não serem negociadas.
A religião
salva da tirania do preço todas essas coisas que não têm um valor comercial:
amor, casamento e a família; lealdade, honestidade e comedimento. Se essas
coisas não são salvas, então a sociedade se desintegrará, e o mercado se
desintegrará com ela. Essa é a mensagem que nós deveríamos estar ouvindo de
nossos líderes: que há coisas que são muito importantes para serem compradas ou
vendidas. E é essa a mensagem que o Papa não se cansa de repetir. Mas essa é
uma mensagem que nunca terá destaque enquanto os negócios estiverem na
condução.
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