domingo, 22 de novembro de 2015

Roger Scruton: Onde Marx estava certo e Thatcher errada

Tradução de Anderson Calé

Texto de 1998. Original: http://www.independent.co.uk/voices/where-marx-was-right-and-thatcher-wrong-1172150.html

O governo Trabalhista começou com a promessa de acabar com o  "boom-bust" econômico. Agora, está enfrentando a expectativa de uma séria recessão. Então, onde Partido Trabalhista se situa a respeito do capitalismo? Polegares para cima, polegares para baixo? Quando Margaret Thatcher estava em serviço, os polegares certamente estavam para baixo. Indagado a respeito da causa de qualquer mal social - crime, drogas, o colapso das cidades do interior - políticos Trabalhistas poderiam apontar para a "cultura da ganância" com a qual tachavam Thatcher. Eles associaram essa cultura com os grandes negócios, com a Cidade, com a livre empresa, a livre troca e o livre mercado. É surpreendente, eles nos perguntavam, que a sociedade britânica esteja desmoronando, que a lealdade, a decência, a compaixão e a vida do espírito esteja desaparecendo, quando o governo mede tudo em termos monetários?  É surpreendente que nosso país aparente ser mais e mais uma nação sem alma, quando seus líderes são aconselhados por empresários, concedem honras aos empresários, e estejam ansiosos para se tornarem empresários quando finalmente descartados - ou regurgitados?
                
É fácil simpatizar com essas acusações; menos fácil é descrever a alternativa. A União Soviética curou a maior parte da ilusão socialista  das pessoas. O grande experimento socialista foi um desastre, econômica e socialmente. Crime e vandalismo podem ter sido menos aparente na antiga União Soviética, mas só porque eram monopolizados pelo Partido. Desde então, como tudo o mais, eles foram privatizados - em geral para cada pessoa que tinha o controle sobre eles no passado. Agora nós vemos a realidade moral que décadas de terror suprimiram: uma sociedade em que o cálculo frio prevalece por sobre  toda a forma de dever social; e nós também pudemos ver - nas últimas semanas da crise econômica - as consequências da privatização quando o senso de dever social é destruído.
                
Assim, o fracasso do socialismo não deixou o capitalismo de fora. Há algo de errado com uma sociedade que é governada inteiramente pelo imperativo dos negócios, que não reconhece qualquer restrição à troca além do mercado, e que torna o negócio e o empresa seu principal valor. Quando Marx e Engels compuseram o Manifesto Comunista eles não condenaram o capitalismo por seu poder econômico. Condenaram-no pelo seu custo humano. "Ele não deixa outro nexo entre o homem e o homem", eles escreveram, "que não seja o 'pagamento à vista', e isso afogou a maior parte do celeste fervor religioso... nas águas gélidas do cálculo egoísta. Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca, e em lugar de inúmeros e indefensáveis liberdades privilegiadas, estabeleceu essa única, inescrupulosa liberdade - Livre Comércio." Exagerado, com certeza. Mas não destituído de verdade. Mesmo se recusarmos a alternativa de Marx como ingênua em sua finalidade e perversa em seu meio, nós não podemos recusar a perspicácia moral da qual ela deriva - nomeadamente, que o livre mercado deixado por si mesmo é tanto uma força criativa como destrutiva.
                
Isso, em resumo, é o que o Partido Trabalhista e seus gurus repetiram nos anos de Thatcher e, mais em surdina, durante o interregno cinzento de John Major. Mas isso não é o que eles estão falando agora. Sob Tony Blair, o empreendedorismo ainda está na condução. O Primeiro Ministro nomeia magnatas dos negócios para a Casa dos Lordes com o mesmo  entusiamos desmedido de Margaret Thatcher: ele até fez do Lord Sainsbury um sub-ministro no Departamento de Comércio e Indústria - exatamente o departamento em que, se trabalhismo nada significa, deveria ser controlados por pessoas como Lord Sainsbury. Olhe para a política Trabalhista em qualquer das áreas em que os gigantes capitalistas tem um interesse - Europa, EMU, alianças e monopólios, meio ambiente e agronegócio - e você verá promessas eleitorais e convicções morais se desfazendo antes dos imperativos comerciais. O argumento que foi aceito, como fora aceito sob Thatcher, de que a prosperidade significa crescimento, que crescimento significa globalização, e que globalização significa abolição das restrições locais. Proíba-nos de nos tornarmos grandes na Grã-Bretanha, dizem os magnatas, e nós iremos para outro lugar, levando nosso capital, nossos impostos, nossos empregos e nossa propriedade conosco.
                
Em qualquer governo de emergência rapidamente se percebe a estupidez da globalização. Encontrando a nós mesmo em guerra com a Alemanha, entendemos - tarde demais - os méritos da manufatura local  e da agricultura auto-suficiente. Porém, políticas modernas são conduzidas inteiramente como se emergências fossem uma coisa do passado. O processo político não é apenas um dos "spin-doctoring"; ele é um exercício de amnésia coletiva. Ainda assim, a crise asiática deve ter acordado o Partido Trabalhista para o perigo: por causa da internacionalização de nossa economia, amarramo-nos a catástrofes que não podemos evitar.
                
Mas há um motivo mais importante para voltar à velha crítica socialista. Lealdade, dever, honestidade: são essas as coisas que não podem ser compradas. Em um mercado não reprimido, portanto, elas são expulsas por coisas que podem ser compradas. Suborno, corrupção e baixeza tomam o lugar da responsabilidade. O mercado depende da honestidade, mas deixado por si mesmo, destrói a honestidade. Esse é o por que de o mercado obter sucesso apenas quando não deixado por si mesmo - apenas  quando sujeito a restrições morais e religiosas que preservem a reserva de virtude humana.
                
Não é apenas a vida pública que está aberta a corrupção pelo mercado; a vida privada também está em risco. Isso costumava não precisar ser dito: não só o Trabalhismo Antigo, mas o partido Tory, também, costumavam desacreditar a comercialização das coisas sagradas. Indecência, obscenidade e blasfêmia eram imediatamente reconhecidas, e imediatamente condenadas. Era comum reconhecer que coisas com um algum valor não deveriam ser degradadas a algo com um preço. Sexo, por exemplo, não poderia ser exibido como um objeto de troca entre estranhos. Nosso censor-chefe aposentado, James Ferman, agora argumenta que, se permitida algumas formas de ponografia, você pode se armar mais efetivamente contra outras, especificamente essas que envolvem violência ou crianças. Tal é a inocência da mente liberal, que imagina que você pode permitir a livre transação de bens e assim manter as pessoas fora do mercado. Todo mercado, uma vez permitido, trará novos compradores e vendedores. Pedofilia não pode ser combatido pela permissão de pornografia, já que o pornô cria o estado de espírito que não vê nada de errado com a pedofilia.
                
O Sr. Blair descreve-se como um Socialista Cristão: ele não é tal coisa. Como a baronesa Thatcher, ele é um liberal no século XIX. Ele pode nunca ter dito "você não pode restringir o mercado", mas ele age como se isso fosse verdade. Se ele pusesse seus princípios religiosos na prática política, ele poderia ser um Cristão capitalista. Já que o capitalismo é apenas outro nome para o mercado, e o mercado está aqui para ficar. Naturalmente, nós podemos dizer do mercado aquilo que Churchill  disse da democracia: um sistema muito ruim, mas as alternativas são piores. Assim como a democracia precisa de leis e instituições para proteger as coisas que não estão para serem votadas, do mesmo modo o mercado precisa de escrúpulos morais e religiosos para conter as coisas que estão aí para não serem negociadas.

                 
A religião salva da tirania do preço todas essas coisas que não têm um valor comercial: amor, casamento e a família; lealdade, honestidade e comedimento. Se essas coisas não são salvas, então a sociedade se desintegrará, e o mercado se desintegrará com ela. Essa é a mensagem que nós deveríamos estar ouvindo de nossos líderes: que há coisas que são muito importantes para serem compradas ou vendidas. E é essa a mensagem que o Papa não se cansa de repetir. Mas essa é uma mensagem que nunca terá destaque enquanto os negócios estiverem na condução.

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