terça-feira, 3 de junho de 2014

Indivíduos de verdade, indivíduos de mentira: sobre a nossa crise de personalidade.



I

Há uma coisa nesse mundo a qual não consigo resistir numa mulher: uma beleza elegante.

E elegância nada tem a ver com essa macaqueação da era burguesa, essa vulgarização do belo feito pela imitação barata das patricinhas ou das mulheres chiques da alta sociedade.

Nossa época é de um mau gosto estético sem precedentes. A maior prova disso é a existência de hordas de mulheres e homens que acreditam que o belo é uma pose, uma aparência forçada, uma artificialidade criada por maquiagens, produtos e roupas chamativas, que ofendem o olhar de quem possui a percepção estética mais apurada.

Pelo contrário, a beleza é uma síntese. O belo não tem predefinição material, mas necessita de uma coisa: harmonia entre vários elementos. A beleza é um valor real e universal, uma ponte para a razão. A falta de senso estético reflete nossa (falta de) percepção da realidade. Pois, é característica indelével da feiura: o pragmatismo. O culto a feiura é o culto ao valor prático das coisas.

Uma beleza elegante é fazer. Uma beleza que se perde é querer aparentar. Uma beleza elegante é dona de si. Uma beleza que se perde é guiada pelos outros.

A beleza se apresenta na banalidade do cotidiano, para dele nos tirar, e nos trazer profundidade.

Uma beleza elegante condensa vários elementos para fazer pulsar a personalidade pelo corpo, pelos gestos.

Enquanto, a elegância é altivez, constância, firmeza, estilo.Elegância é a aura que cobre uma personalidade própria, e por isto, atraente, pois não é trivial. Complexa e simples, ao mesmo tempo.

Elegância é a perfeita harmonia entre traços de sua beleza, vestes para ela, personalidade que se expressa pelo corpo.

Vejo mais beleza e elegância numa linda morena de 1,75, cabelos curtos, vestindo uma saia xadrez longa, com uma blusa básica, e uma sandália no pé, combinando com sua personalidade e o conjunto em torno, do que aquele mau gosto asfixiante de quem vive da pose, nos jantares da alta sociedade.

A beleza elegante não é um molde, mas significa possuir o SEU estilo, dar-se conta de sua beleza. Um indivíduo de verdade: carne, osso, e alma. Não um indivíduo de faz-de-conta, com rebocos de maquiagem, e roupas forçadas e chamativas.

Uma beleza elegante deleita meu coração ao primeiro olhar. Há uma verdade ali para me contar (e encantar), não uma mentira.

II

Se existe uma coisa que tira toda elegância de uma bela mulher é a vulgaridade. O vulgar é a simplificação e banalização da beleza. É a macaqueação do belo.

Existe uma relação íntima entre a idolatria estética (sua vulgarização) e o moralismo.

O moralismo é a vulgarização da percepção moral. O relativismo: o seu outro modo, pelas vias negativas. Duas faces da mesma moeda sem substância real.

III
“As religiões – assim como as mulheres, os castelos e o pôr-do-sol – nunca atingem o seu máximo de beleza enquanto não são tocadas pela decadência”. H.L. Mencken

Platão era um sábio quando dizia que a beleza residia na forma, e não na matéria, no eterno e não no que se degrada pelo tempo. Eis, o porquê de um dos nossos maiores traumas contemporâneos: não saber envelhecer.

Por colocarmos na matéria a condição de toda estética, e nos agarrarmos a ela, ficamos atordoados com sua perecibilidade diante do tempo. Plásticas, mais maquiagem, botox, cirurgias, e o resultado é este: só mais feiura. Envelhecer belamente e com elegância é uma arte feita para indivíduos de verdade, e não para gente feita de geleia, que nada aprendeu com o tempo a não ser o desejo de nele voltar.

Apegada a pura matéria, a afetação, e a vulgaridade, quer-se voltar aos tempos da beleza juvenil. Mas a beleza do tempo é justamente a magia que liga a decadência da matéria com a realização do espírito como consciência individual.

A beleza da velhice se apresenta na atração da personalidade plena que se mostra.

IV

A vulgarização imposta pela banalidade da vida burguesa chegou às partes sexuais. Simplificamos o humano, em busca de prazeres quase mecânicos.

Nunca se fez tanto sexo, nunca se fez tão mal.

Todo bom amante na cama sabe que o mistério é o segredo, e que o prazer é um desejo instigado, uma promessa, quase a se cumprir, sendo realizado calmamente na incerteza do que virá. O ponto alto do prazer nunca está no desejo consumado, mas na expectativa cada vez mais crescente de consumá-lo. A aurora é sempre também a lembrança do fim. Não há sexo verdadeiramente humano sem sedução anterior.
Sem isto, o sexo deixa de ser entre humanos, e passa a ser sexo entre animais. Confunde-se êxtase sensorial com troca, força com pegada.

Animais transam apenas com seu sexo. Os homens transam com a verdade, com a língua, com as mãos, com as palavras, mexe com a mente, e o corpo responde.

O sexo vulgarizado é feito por indivíduos de mentira, que não possuem a si próprio, não são donos de sua personalidade, e que precisam DESESPERADAMENTE de alguma gota de prazer sensorial, algum alívio, algum depositório para seu vazio interior.

Não há mais refino, sedução, espera, expectativa, mas só a crueza mais selvagem e desesperada. Ir e vir, esconder e revelar, pôr e retirar: movimento. Sem este refino, com repetição mais crua, descortinaram-se os segredos, perderam-se as emoções, transformaram o sexo em coisa banal.

A idolatria do "sexo" aparece quando a beleza já se degradou, e a percepção estética já se perdeu. Não há mais verdade.

V

Só os bajuladores acreditam em poses.

Olhem para aquele homem mal, que todos temem. Aparentando força, fazendo uma pose digna de Roberto Justus.

Não tema! Besteira, quem precisa fazer pose quer transparecer o que não é. Por dentro, é apenas mais um menino vaidoso e assustado, fazendo “buuu!” para as crianças.

Sim, só bajuladores acreditam em poses, só eles se assustam com essas coisas.

VI

Sinceridade: o sujeito ser autor dos seus atos, reconhecer que é autor, e assumir as consequências. Ser sincero é ser responsável por si: um indivíduo de verdade, não de mentira, que sofre, chora, erra, acerta, mas bate no peito, e não se vitimiza.

A nossa época vive uma intensa crise de personalidade, porque faltam indivíduos de verdade, e sobram vaidosos ocos, querendo emular fortaleza. A vaidade virou uma obsessão: todos querem a admiração alheia. Deixar de ser para aparentar ser. Perder o controle da sua vida, e ser controlado por outro: uma massa amorfa opinante.

Geralmente, pessoas muito vaidosas possuem problemas de autoestima, não pela falta de atenção, mas pela personalidade frágil: basta alguém não comprar sua aparência de vencedor, para entrar em parafuso.

Na época em que todos são donos do seu tempo, viramos frágeis como um cristal.

Nenhum comentário:

Postar um comentário