quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Ron Paul no Brasil: a direita que insiste em não crescer

Pelo que lemos na arena das arengas ideológicas, o grande sonho do brasileiro deve ser se tornar adulto. Só isto explica esta tara tupiniquim de falar em nome da liberdade (à direita e à esquerda) e de colocar a vontade acima da verdade, revelando um desejo pueril (típico da adolescência) em se autoafirmar constantemente perante a ordem e os limites da realidade.

Para reconquistar espaço no debate cultural, parte da nova direita brasileira promove e traz ao país, Ron Paul, que como qualquer ideólogo fala naquele tom celestial de guru intelectual. Ele é o dono da receita de bolo que nos libertará: o libertarianismo. Sugestivo. Ele não percebe que ao prescrever uma receita de sociedade (baseada nas liberdades civis como ideia absoluta), bastando que a sigamos para conquistar a prosperidade, já está limitando a liberdade alheia, mesmo de maneira indireta. Pois, uma escolha sempre representa certas perdas.

A palavra sociedade vem do latim societas, uma espécie de associação entre as pessoas para melhor convívio, compartilhando valores, costumes, hábitos. Em síntese, significa um grupo de pessoas vivendo juntas numa comunidade racionalmente organizada. Logo, a base da sociedade é a limitação da liberdade individual em prol de um bem comum, a vida em conjunto. E a tirania é exatamente a liberdade ilimitada (dentro das possibilidades da estrutura da realidade) de um indivíduo que oprime todas as outras pessoas na consecução dos seus desejos.

Então, se você coloca como princípio organizacional da sociedade, o princípio absoluto das liberdades civis individuais, há na realidade uma contradição patente. De tal modo que, será impossível manter esta sociedade, e a liberdade se tornará o inverso de si mesmo, a tirania. Portanto, o princípio da liberdade não pode ser o elemento formador da sociedade, e não deve estar acima da coesão social. Na esfera civil, ela tem de ser limitada pelo princípio da justiça (dar a cada um o que é seu). Devendo haver um equilíbrio tensional entre as liberdades civis, de modo que esta não ameace a própria ordem e a paz social.

Deste modo, falar em nome da liberdade é uma verborragia inútil. Pois, a liberdade é um conceito limitado e não um princípio geral (como o princípio da incerteza de Heinsenberg), e está sendo sempre aplicada de maneira relativa e relacional. Por não estar excluída das ambivalências da vida, torna-se uma norma de aplicação prática, limitada por sua própria natureza. Se eu dou ao indivíduo a possibilidade de se autodestruir e dou a outros indivíduos a possibilidade disto incentivar (como na legalização das drogas antissociais), esta liberdade pode se voltar contra as bases da organização social, correndo-a por dentro, e por conseguinte, destruindo a liberdade de todos os outros. Se a liberdade não é limitada num equilíbrio tensional, a vida de toda sociedade está em perigo. Um atentado terrorista, por exemplo, pode deixar de ser evitado se os investigadores não puderem utilizar certos métodos de urgência.

Compreendendo estes aspectos, fica mais fácil entender por que a argumentação de Ron Paul, o republicano mais querido pelos democratas, não está longe de toda pauta cultural do esquerdismo mundial. Como a esquerda pós-68, Ron Paul se esquece que não se pode alcançar um estado ideal, sem limitações das possibilidades da vontade individual, mesmo quando esta aparentemente não me diga respeito. Como ela, Paul quer transformar os indivíduos em seres hedonistas, individualistas, profundamente egoístas, sendo tiraninhos de pequenos reinos individuais, ameaçando a sociedade inteira, pois o Estado não pode interferir, nem limitar certas liberdades civis.

Como um ideólogo doutrinador qualquer, o sr. Ron Paul está preocupado em dizer como a sociedade deveria ser. No entanto, o sr. Ron Paul é incapaz de olhar para as perdas e as consequências da aplicação absoluta de seu conjunto de ideias gerais. É incapaz de fazer um exame sistêmico e estrutural da realidade material e histórica sob a qual está assentado e terá de lidar. O sr. Ron Paul, ao modo brasileiro, não analisa questões específicas, as suas nuances, as curvas do fazer histórico; mas discute doutrinas, ideias gerais, reafirmando as suas num esquema hipotético, tão fácil de derrubar quanto a de qualquer ideologia. Em especial, um ponto me chama a atenção: o seu isolacionismo em termos de política externa.

Se os neocons são adolescentes zombeteiros que querem consertar o mundo e universalizar a democracia ocidental por decreto da força, como se a realidade fosse facilmente moldável; os isolacionistas são adolescentes assustados com o mundo fora de si, achando que podem brincar alegremente, desfrutando de toda liberdade em suas terras, enquanto o pau quebra no mundo inteiro, como isto não fosse um dia lhe atingir ou não lhe dissesse respeito.

No complexo jogo de xadrez geopolítico de hoje, Putin e a aliança eurasiana  ameaçam cada vez mais o raio de influência das democracias liberais do Ocidente, inclusive, em seu próprio habitat. No Oriente Médio, a confusão impera, e o grupo jihadista, ISIS, domina um território portentoso e pode avançar sobre o dos curdos, abundante de petróleo. Qual a consequência para o mundo se o grupo terrorista ISIS obter grande poder político e financeiro? E mais: o mundo ficará passivo perante o genocídio de cristãos, curdos, yazidis, e outras minorias? Na Europa, sob as ruínas que restam da sociedade corroída, discute-se sobre os males causados pelo multiculturalismo. João Pereira Coutinho, na Folha, nos expõe quase que semanalmente tais problemas. Grupos muçulmanos falam abertamente em islamizar o velho continente. E como isto tudo já não bastasse, avisa o prof. Gunther Rudzit que o mundo multipolar pode ser ainda mais perigoso do que o bipolar.

No entanto, o sr. Ron Paul afirma que tudo ficará bem para o seu país (dane-se o mundo), se os americanos reclusarem-se em sua casa (como se não houvesse problemas com o multiculturalismo). Eis a mensagem do guru: não se preocupem em defender o seu território, nem evite genocídios nos países dos outros, que tudo dará certo. A quem interessa deixar os Estados Unidos em posição de total fraqueza, exposto a ação de seus inimigos? Propor a paz universal nas chaves isolacionistas já soa ridículo perante o conhecimento de que a base de todas as guerras feitas pela humanidade foram por território; que dirá então, num mundo globalizado, complexo, interligado, de diminuta da soberania nacional, não passando de exibicionice de sua própria loucura doutrinal.

Ao trazer Ron Paul, o libertário que os esquerdistas adoram, a nova direita - monstruosamente inculta a respeito das teses de seus adversários - pretende advogar a "liberdade sem concessão" na luta cultural contra a esquerda? Agindo assim, provam merecer o riso dos seus adversários, ao mesmo tempo em que, colocam mais água nos seus moinhos de vento, nos trazendo, tal como a esquerda, mais uma receita de mundo melhor. De minha parte, sou tão inimigo da esquerda radical quanto da direita que ama Ron Paul.

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