quinta-feira, 22 de maio de 2014

Dez Teses Sobre "Closer - Perto Demais".



I

Closer – Perto Demais exala o sofrimento humano, mas o enredo não trata apenas do amor fluído, precário, mas da falta de domínio sobre os impulsos, na fugacidade da vida. O que fazemos diante de um encontro da alma? Reconhecemos? Tentamos? Largamos uma grande e profunda oportunidade pelo prazer mais tórrido? Amor pela paixão? A responsabilidade – o peso, a dádiva, e o compromisso – de fazer uma mesma escolha sempre diante de milhares de possibilidades.

II

Dan é um escritor fracassado. Talvez, por que a narrativa esteja sendo criada apenas na sua vida. Ao vivê-la como num grande texto, entregou-se aos acontecimentos, sem elaborá-lo em experiência. Por isto, não consegue transformar a ambiguidade em romances. Virou um escravo da sua mania narrativa. Mal pode suspeitar de uma nova brecha para um acontecimento complexo, problemático, e suspeito, para atirar-se de corpo; sabendo, de antemão, dos resultados. Quando conheceu Alice e Anna, ele sabia exatamente o que iria acontecer. Amou, com sinceridade, ambas, mas, enquanto instrumentos para produzir afetivamente um grande caos criador, diante da expectativa do imaculado amor. Voltar para Alice pareceu uma história bastante convincente ao seu instinto, afinal: “quando entrou no meu mundo foi o momento da minha vida”. Reencontrar um grande amor, depois de um intervalo, parecia uma grande história a ser vivida. Mas, tinha uma pedra no meio do caminho (sempre terá): era imaculado? Pensava: “morre a inocência, morre o amor”. Mas, ele sabe melhor do que ninguém que não existe amor inocente. A complexa imaturidade afetiva de Dan é, ao mesmo tempo, irritante e comovente.

III

A juvenil beleza de Alice era, ao mesmo tempo, ardilosa e encantadora. Queria, enquanto não tinha. Sem o elemento sedutor, sentia-se vazia. Era o seu carro-chefe, sua personalidade ambígua e ferina. Predadora... De si, acima de tudo. Ao fracassar na sedução, desatinou-se em amar. Dan foi um ponto fora da sua curva: o fracasso humano. Foram instrumentos, não finalidade. Mas, largar tudo é da sua natureza. Destruía aos poucos sua vida, ao amar em outros: a insuficiência. Sua beleza era um chamariz que flertava com a sedução da ausência. Voltou-se para sedução após o término prematuro com Dan. Consta que, todos os homens amavam as mentiras que saiam por esses doces lábios. Resistir aos encantos das sereias nunca foi tarefa das mais fáceis. Deixou de amor Dan, no exato momento em que ele começou a amá-la de verdade, como num impulso primitivo de sua natureza.

IV

Alice e Dan nunca ultrapassaram a vaidade, e por isto, mostravam-se tão idênticos. Um encontro de almas profundamente parecidas. Pode-se sentir isto ao primeiro olhar. Eles perceberam. Nunca se soube o que era real ou fantasia naquele amor. Enquanto os instintos de ambos, e suas personalidades complexas e catalíticas, não fossem domadas pela consciência moral arduamente construída, nunca se poderia saber.

V

Por sua vez, Larry era um homem prático, dominador, mas não se engane: era um astuto interprete da mente humana. Não se referia à alma, transcendência, fantasia, mas da crueza mais prática, desencantada, e certeira, desse vale de lágrimas que é a vida.  Por isto, depositava poucas expectativas, perdoava, e sabia qual ação deveria ser tomada. Desde que, lhe beneficiasse. Não espere dele, enquanto adversário, grandeza. Em contrapartida, Larry será sempre amado a meio palmo. Seu mundo não tem encanto, mas rugido e promessa de proteção. Sua alma nunca conhecerá o amor profundo e intenso da alma, mas seu corpo rapidamente se deixará levar pela obsessão e vingança. Larry tinha Anna – e a vida prática de casados – como obsessão. Alice foi sua vingança. Ao que parece, teve muitas “vitórias de Pirro” durante sua vida.

VI

Anna era uma artista melancólica. Sua melhor foto não poderia deixar de ser a de um rosto angelical chorando, em momento de dor profunda. Causado por ela, afinal.  Uma produção artística formidável. Seu charme era discreto. Seu fogo era brando. A culpa era seu abrigo. Precisava da infelicidade para ter certeza de quem era, e ficar bem consigo. Um círculo infernal em ser a si mesma.   

VII

Os diálogos entre Larry e Dan são os mais impressionantes e profundos do filme. Não só pelo peso profundo da verdade, mas pelo fato, dos adversários – e opostos –, de certa forma, complementarem-se. Dan acusa a simplicidade de Larry: “você acha que o amor é simples”. Larry acusa a irresponsabilidade de Dan: “você não entende o mais importante do amor, por que você não sabe o que é compromisso”. Sem a verdade, somos animais, pensa Dan. Complemento: mesmo com a verdade, ainda somos animais. E os impulsos comprovam. É a consciência moral, a culpa, o compromisso, a racionalidade, mas também, a mentira, o vício, o erro, que nos diferencia como humanos. Em síntese, a ambiguidade.

VIII

Qualquer pessoa que tenha uma personalidade complexa reconhece imediatamente um encaixe fulgurante, que ultrapassa o corpo e a materialidade. As cenas inicial e final do filme são impactantes por que nos coloca para fora da banalidade, quando todo sentimento afetivo está contaminado pela mais asfixiante mesquinharia, e pelo impulso mais primitivo. Esse nexo entre o banal e o fundamental, o superficial e o profundo, e a dor que daí se segue, é a grande riqueza do filme. Não há grandeza nas lições do filme, mas dor exasperante diante da carência de torna-se algo na elaboração do seu ser.

IX

Algumas coisas, de cara, sabemos que será especial. Ao primeiro olhar. Um reconhecimento indizível. Uma oportunidade única. Um fardo e uma dádiva. Para o bem ou para o mal, o resultado sempre é fruto dos esforços e consciência dos envolvidos. As chances são aproveitadas ou desprezadas

X

Closer – Perto Demais é a síntese da mais rebuscada vaidade, da falta de voz pessoal, num lugar mental pouco saudável, mas fugaz, humano, doloroso, onde só sobrou o impulso, e a dor mais fragmentada e profunda de ser.

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