sábado, 18 de janeiro de 2014

Os Fios de Ariadne: o opróbrio da vida danificada.




"Like Burke, therefore, I made the passage from aesthetics to conservative politics with no sense of intellectual incongruity, believing that, in each case, I was in search of a lost experience of home. And I suppose that, underlying that sense of loss is the permanent belief that what has been lost can also be recaptured — not necessarily as it was when it first slipped from our grasp, but as it will be when consciously regained and remodelled, to reward us for all the toil of separation through which we are condemned by our original transgression. That belief is the romantic core of conservatism, as you find it — very differently expressed — in Burke and Hegel, in Coleridge, Ruskin, Dostoevsky and T.S. Eliot."

Roger Scruton


Conta-nos uma antiga tradição que um jovem herói ateniense, Teseu, sabendo que sua cidade deveria pagar a Creta um tributo anual para alimentar o temido Minotauro, solicitou ser incluído, com o objetivo de derrota-lo.

Meio homem, meio animal, o Minotauro simboliza os instintos animais interiores ao homem. Uma figura que condensa, através da violência e da dor, todas as ambiguidades da experiência humana, entre a ordem e a transgressão, entre a razão e o instinto. Uma promessa e uma ameaça. Um símbolo que prefigura dois elementos paradoxais do mundo material: a) uma lembrança de dor – a do parto (ou queda) –, sendo esse sofrimento o mesmo que nos faz lembrar o “caminho de volta para casa”, do sentimento originário; b) a violência de estar-aí, da indefinição da vida corporal.

Para pôr fim aos seus anseios, Teseu resolveu consultar o Oráculo de Delfos sobre a possibilidade de seu triunfo. Um dever descobriu: deveria ser guiado pelo amor dado para vencê-lo. Amor que guia o conhecimento. Com efeito, a linda Ariadne, filha do poderoso Minos, tinha se apaixonado por Teseu e combinou com o jovem um meio de fazê-lo encontrar a saída do terrível labirinto: um novelo de lã.

Sábios são os oráculos. E mais sábio de todos os sábios era o de Delfos. Aconselhara Minos a prender o fruto da sua honra traída por Pasífae num imenso e inexpugnável labirinto. E para Teseu triunfar sobre o Minotauro, aconselhou-o a receber o amor de Ariadne, meia-irmã da ambiguidade, como dádiva. 

Teseu entra no labirinto e derrota o Minotauro, segurando numa das mãos uma das pontas do novelo de lã, enquanto Ariadne segura à outra ponta na entrada do labirinto. Teseu se salva graças ao fio de Ariadne. O homem forte por excelência, Teseu, usando o amor como dádiva, enfrentou o seu próprio instinto, o seu eu animal, dominou-o. A sabedoria dos mitos, a sabedoria dos antigos.

A parte indomável da natureza, que o homem possui dificuldade de controlar, foi derrotada, mas na sua lembrança deixa uma promessa: não findará. O homem produz cultura, controla os seus instintos, mas eles voltam sob outra forma. Impasses que nos fundam. Enquanto isto, na vida moderna, colocamos tantas camadas culturais sobre nossos instintos, que sequer enxergamos mais uma essência. Viramos náufragos da existência. Estamos perdidos na vertigem caótica dos signos desordenados. Não reconhecemos nossos limites.

A história que contei leva-nos a algumas reflexões. O homem é um ser incompleto que aspira ser algo. Nessa busca, ele percebe a circularidade do tempo, os símbolos que condensam toda ambiguidade da existência. E, acima de tudo, percebe nessa busca uma intuição de que algo foi perdido. Em busca dessa experiência perdida, entre o ser e o não-ser, o homem faz sua travessia. Essa intuição também nos arrasta para a tentativa de recapturar o que foi perdido, não mais como foi – pois isto seria impossível –, mas como uma centelha, uma experiência remodelada que nos aproxima – e nos recompensa da labuta – do que antes era e nos condenou a essa separação.

Porém, não estamos sós. Fazemos cultura, vivemos em sociedade. No labirinto da cultura, na busca pela verdade, damos de frente com as possibilidades e com nossos limites. A multiplicidade só pode ser por que participa de algum modo da unidade. Como identificar o variável sem aludir ao seu ser? Aludindo aos vários tipos de mulheres, a mulher loira, a morena, a ruiva, a baixa, a alta, seja lá como for, já falamos de um ser, o da mulher. E é só por que existe esta unidade que podemos nos comunicar.

Aqui há vários fios que estão unidos por uma substância. Fios por que o labirinto da cultura é composto de vários outros, de modo que, quando se sai de um, noutro já se está entrando. Labirintos, é claro, não possuem saídas, a menos que encontremos o seu segredo, reconheçamos as suas encruzilhadas e tenhamos o fio que nos conduza por seus trajetos.

Penso que a principal característica da vida intelectual autêntica é a honestidade. Quanto mais simples e óbvia aparenta ser esta sentença, menos compreendida parece se tornar. Quem, em estado de inquietude, se propõe a pensar realidade, guiado pelo esforço inicial de tentar dar respostas (mesmo em forma de novas questões) a perguntas formuladas, está se inserindo numa tradição. Instintivamente, a primeira coisa a se fazer é procurar autores que tenham pensado sobre essas questões. Isto pressupõe que todo fazer intelectual depende da apreensão do status quaestionis (estado da questão), e do diálogo com uma tradição.  

Este blogueiro não foge da divergência como o diabo foge da cruz. Entrega-se ao mundo na esperança de recolher alguns de seus cacos. Aqui o amor é pela busca da verdade, não amor pela medalha, pelos títulos, pelo grupo, pela sociabilidade provinda do grupelho ideológico.

Assim, por mais, pretendo: um blog incaricaturável.

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