segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Theodore Dalrymple: Sobre a legalização das drogas

Tradução de Anderson Calé

5 de dezembro de 2012. Original: http://www.city-journal.org/2012/eon1205td.html

Discutir com os libertários sobre a legalização das drogas, como fiz recentemente, pode ser uma experiência frustrante. Isso, em parte, porque eles raramente dizem exatamente o que querem dizer com "legalização". Será que significa para eles um mercado controlado que pouco representaria de um recuo na regulação e interferência estatal, ou algo não controlado, em que todos nós poderíamos nos dispor a comprar metanfetamina ou crack em nossas lojas locais?
                
Há um problema mais profundo, no entanto: sua concepção do que é a vida numa sociedade civilizada. Eles parecem pensar nas pessoas como partículas egoístas que ocasionalmente colidem umas com as outras, ao invés de serem necessária e essencialmente sociais. Sem dúvida há algumas partículas egoístas entre nós, mas elas representam apenas uma minúscula proporção do todo. Em matéria de drogas, libertários argumentam que não é um negócio do Estado dizer aos cidadãos o que tomar ou não tomar, e que fazê-lo é, portanto, um cerceamento opressivo da liberdade. As leis sobre drogas, ele insistem, não funcionam na prática, porque muitas pessoas quebram-na - com ou sem impunidade, conforme cada caso.
                
Deixe-nos esboçar uma analogia com as leis de limite à velocidade. Elas indubitavelmente cerceiam nossa liberdade; elas são indubitavelmente aplicadas desigualmente; e da mesma forma é certo dizer que elas não funcionam, no sentido de que dificilmente haverá um só motorista no mundo que não as tenha quebrado intencionalmente. De fato, é provável que a maioria dos motoristas quebrem as regras de velocidade toda vez que dirigem um carro.  Mas isso quer dizer que o limite de velocidade não funciona? Não. Alguém suporia que se não houvesse limites à velocidade, as pessoas não dirigiriam rápido? Você só precisa dirigir por uma rodovia alemã, onde não há limites para velocidade, para ter sua reposta.
                
Agora, um libertário poderia dizer que cidadãos responsáveis poderiam ser capazes de determinar por si mesmos em qual velocidade dirigiriam. Isso não requer muita inteligencia ou discernimento para ser feito. Também deve ser lembrando, pela analogia com a frequente inofensividade das drogas, que a maioria dos excessos de velocidade não terminam em acidente fatal. Portanto, nem todo excesso de velocidade é um abuso de velocidade; e se algumas pessoas que excedem a velocidade são fatais aos outros, elas podem sofrer as consequências financeiras ou de outro tipo. A perspectiva de que essas consequências podem  ser o suficiente para fazê-las ajustarem sua velocidade a uma que seja sensata e segura, e que, como um adulto, seja o melhor juiz da velocidade em que é capaz de dirigir com segurança. Se um homem chega são e salvo em casa, ele, ipso facto, dirigiu numa velocidade sensata.
                
Aí de mim!, essa é uma estranha antropologia filosófica. Pessoas não são - eu não sou - assim. Posso perceber que outras pessoas não devem dirigir acima de certa velocidade, mas posso não perceber que eu deveria fazê-lo. Eles, é claro, têm uma visão de espelho: pensam que estão seguros e que eu é que sou o perigoso. Mas, embora nos consideremos seguros, o fato é que o excesso de velocidade nos deixa mais propensos a sofrer um acidente ou a matar alguém.
                
Viver numa sociedade civilizada significa aceitar leis que uma pessoa não fez para si mesma, e que em qualquer dada situação pode parecer desnecessária; mas não há quem tenha o direito de se queixar se punido por quebrá-las. Aceito a lei como necessária mesmo se eu a quebrar. Uma pessoa não é por si mesmo o árbitro de tudo. Na verdade, em algumas circunstâncias isso é o correto a ser feito para prevenir potenciais injúrias a terceiros, tais como motoristas irresponsáveis, ou pegar produtores de drogas, ao invés de esperar para que elas ocorram. É uma questão de discernimento, não de princípio, quando essas circunstâncias existem - e na minha opinião, a apreensão de metanfetamina se encaixa bem nesse lado da prevenção justificável.

É claro, restrições sobre a liberdade podem se tornar onerosas, e regular mesquinharias pode talhar a liberdade por completo. Mas as liberdades não foram todas criadas iguais, existe uma hierarquia entra elas, e a restrição da liberdade de se intoxicar ou dirigir pela Fifth Avenue a 100 milhas por hora não pode ser comparada com a restrição sobre a liberdade de dizer o que você pensa. Portanto, limitações ao discurso são um ataque muito mais sério à liberdade do que as leis contra as drogas.




domingo, 22 de novembro de 2015

Roger Scruton: Onde Marx estava certo e Thatcher errada

Tradução de Anderson Calé

Texto de 1998. Original: http://www.independent.co.uk/voices/where-marx-was-right-and-thatcher-wrong-1172150.html

O governo Trabalhista começou com a promessa de acabar com o  "boom-bust" econômico. Agora, está enfrentando a expectativa de uma séria recessão. Então, onde Partido Trabalhista se situa a respeito do capitalismo? Polegares para cima, polegares para baixo? Quando Margaret Thatcher estava em serviço, os polegares certamente estavam para baixo. Indagado a respeito da causa de qualquer mal social - crime, drogas, o colapso das cidades do interior - políticos Trabalhistas poderiam apontar para a "cultura da ganância" com a qual tachavam Thatcher. Eles associaram essa cultura com os grandes negócios, com a Cidade, com a livre empresa, a livre troca e o livre mercado. É surpreendente, eles nos perguntavam, que a sociedade britânica esteja desmoronando, que a lealdade, a decência, a compaixão e a vida do espírito esteja desaparecendo, quando o governo mede tudo em termos monetários?  É surpreendente que nosso país aparente ser mais e mais uma nação sem alma, quando seus líderes são aconselhados por empresários, concedem honras aos empresários, e estejam ansiosos para se tornarem empresários quando finalmente descartados - ou regurgitados?
                
É fácil simpatizar com essas acusações; menos fácil é descrever a alternativa. A União Soviética curou a maior parte da ilusão socialista  das pessoas. O grande experimento socialista foi um desastre, econômica e socialmente. Crime e vandalismo podem ter sido menos aparente na antiga União Soviética, mas só porque eram monopolizados pelo Partido. Desde então, como tudo o mais, eles foram privatizados - em geral para cada pessoa que tinha o controle sobre eles no passado. Agora nós vemos a realidade moral que décadas de terror suprimiram: uma sociedade em que o cálculo frio prevalece por sobre  toda a forma de dever social; e nós também pudemos ver - nas últimas semanas da crise econômica - as consequências da privatização quando o senso de dever social é destruído.
                
Assim, o fracasso do socialismo não deixou o capitalismo de fora. Há algo de errado com uma sociedade que é governada inteiramente pelo imperativo dos negócios, que não reconhece qualquer restrição à troca além do mercado, e que torna o negócio e o empresa seu principal valor. Quando Marx e Engels compuseram o Manifesto Comunista eles não condenaram o capitalismo por seu poder econômico. Condenaram-no pelo seu custo humano. "Ele não deixa outro nexo entre o homem e o homem", eles escreveram, "que não seja o 'pagamento à vista', e isso afogou a maior parte do celeste fervor religioso... nas águas gélidas do cálculo egoísta. Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca, e em lugar de inúmeros e indefensáveis liberdades privilegiadas, estabeleceu essa única, inescrupulosa liberdade - Livre Comércio." Exagerado, com certeza. Mas não destituído de verdade. Mesmo se recusarmos a alternativa de Marx como ingênua em sua finalidade e perversa em seu meio, nós não podemos recusar a perspicácia moral da qual ela deriva - nomeadamente, que o livre mercado deixado por si mesmo é tanto uma força criativa como destrutiva.
                
Isso, em resumo, é o que o Partido Trabalhista e seus gurus repetiram nos anos de Thatcher e, mais em surdina, durante o interregno cinzento de John Major. Mas isso não é o que eles estão falando agora. Sob Tony Blair, o empreendedorismo ainda está na condução. O Primeiro Ministro nomeia magnatas dos negócios para a Casa dos Lordes com o mesmo  entusiamos desmedido de Margaret Thatcher: ele até fez do Lord Sainsbury um sub-ministro no Departamento de Comércio e Indústria - exatamente o departamento em que, se trabalhismo nada significa, deveria ser controlados por pessoas como Lord Sainsbury. Olhe para a política Trabalhista em qualquer das áreas em que os gigantes capitalistas tem um interesse - Europa, EMU, alianças e monopólios, meio ambiente e agronegócio - e você verá promessas eleitorais e convicções morais se desfazendo antes dos imperativos comerciais. O argumento que foi aceito, como fora aceito sob Thatcher, de que a prosperidade significa crescimento, que crescimento significa globalização, e que globalização significa abolição das restrições locais. Proíba-nos de nos tornarmos grandes na Grã-Bretanha, dizem os magnatas, e nós iremos para outro lugar, levando nosso capital, nossos impostos, nossos empregos e nossa propriedade conosco.
                
Em qualquer governo de emergência rapidamente se percebe a estupidez da globalização. Encontrando a nós mesmo em guerra com a Alemanha, entendemos - tarde demais - os méritos da manufatura local  e da agricultura auto-suficiente. Porém, políticas modernas são conduzidas inteiramente como se emergências fossem uma coisa do passado. O processo político não é apenas um dos "spin-doctoring"; ele é um exercício de amnésia coletiva. Ainda assim, a crise asiática deve ter acordado o Partido Trabalhista para o perigo: por causa da internacionalização de nossa economia, amarramo-nos a catástrofes que não podemos evitar.
                
Mas há um motivo mais importante para voltar à velha crítica socialista. Lealdade, dever, honestidade: são essas as coisas que não podem ser compradas. Em um mercado não reprimido, portanto, elas são expulsas por coisas que podem ser compradas. Suborno, corrupção e baixeza tomam o lugar da responsabilidade. O mercado depende da honestidade, mas deixado por si mesmo, destrói a honestidade. Esse é o por que de o mercado obter sucesso apenas quando não deixado por si mesmo - apenas  quando sujeito a restrições morais e religiosas que preservem a reserva de virtude humana.
                
Não é apenas a vida pública que está aberta a corrupção pelo mercado; a vida privada também está em risco. Isso costumava não precisar ser dito: não só o Trabalhismo Antigo, mas o partido Tory, também, costumavam desacreditar a comercialização das coisas sagradas. Indecência, obscenidade e blasfêmia eram imediatamente reconhecidas, e imediatamente condenadas. Era comum reconhecer que coisas com um algum valor não deveriam ser degradadas a algo com um preço. Sexo, por exemplo, não poderia ser exibido como um objeto de troca entre estranhos. Nosso censor-chefe aposentado, James Ferman, agora argumenta que, se permitida algumas formas de ponografia, você pode se armar mais efetivamente contra outras, especificamente essas que envolvem violência ou crianças. Tal é a inocência da mente liberal, que imagina que você pode permitir a livre transação de bens e assim manter as pessoas fora do mercado. Todo mercado, uma vez permitido, trará novos compradores e vendedores. Pedofilia não pode ser combatido pela permissão de pornografia, já que o pornô cria o estado de espírito que não vê nada de errado com a pedofilia.
                
O Sr. Blair descreve-se como um Socialista Cristão: ele não é tal coisa. Como a baronesa Thatcher, ele é um liberal no século XIX. Ele pode nunca ter dito "você não pode restringir o mercado", mas ele age como se isso fosse verdade. Se ele pusesse seus princípios religiosos na prática política, ele poderia ser um Cristão capitalista. Já que o capitalismo é apenas outro nome para o mercado, e o mercado está aqui para ficar. Naturalmente, nós podemos dizer do mercado aquilo que Churchill  disse da democracia: um sistema muito ruim, mas as alternativas são piores. Assim como a democracia precisa de leis e instituições para proteger as coisas que não estão para serem votadas, do mesmo modo o mercado precisa de escrúpulos morais e religiosos para conter as coisas que estão aí para não serem negociadas.

                 
A religião salva da tirania do preço todas essas coisas que não têm um valor comercial: amor, casamento e a família; lealdade, honestidade e comedimento. Se essas coisas não são salvas, então a sociedade se desintegrará, e o mercado se desintegrará com ela. Essa é a mensagem que nós deveríamos estar ouvindo de nossos líderes: que há coisas que são muito importantes para serem compradas ou vendidas. E é essa a mensagem que o Papa não se cansa de repetir. Mas essa é uma mensagem que nunca terá destaque enquanto os negócios estiverem na condução.